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Os impactos da retirada do trem na condição de vida e mobilidade dos trabalhadores do Subúrbio*

Atualizado: 10 de jan. de 2023

O trem foi desativado em fevereiro de 2021, em período pandêmico, no qual a classe trabalhadora já enfrentava dificuldades sociais e econômicas. Por Bárbara Ysis Macêdo Sena

Um dos artigos premiados no I Concurso de Textos promovido pelo ObMob Salvador.


A recente desativação do transporte ferroviário localizado na região do Subúrbio Ferroviário, na cidade de Salvador – Bahia, alterou a mobilidade urbana e as condições de vida de diversos usuários que utilizavam diariamente esse tipo de transporte público, seja pelo seu direito de ir e vir na cidade no que tange ao seu deslocamento seja para o trabalho, lazer, escola, universidade etc. ou para usufruir de bens e serviços na cidade exercendo assim sua cidadania.

O trem perdurou por mais de 160 anos no imaginário do povo baiano – sendo esta a primeira estação férrea da Bahia e a quinta construída no Brasil a transportar cargas e também pessoas. Este foi desativado em fevereiro de 2021, em período pandêmico, no qual a classe trabalhadora já enfrentava dificuldades sociais e econômicas e que se intensificou com o fim do trem para ser substituído por outro modal de transporte, o VLT (Veículo Leve sob Trilhos). O governo do Estado da Bahia, no entanto, alterou o modal e escolheu o Monotrilho, bem mais custoso do que o anterior, retirando inúmeras famílias do local e alterando também a belíssima paisagem natural apreciada pelos moradores.

A classe trabalhadora fez diversas manifestações para intervir na desativação do trem, pois acabou por ser afetada direta ou indiretamente. Constatou-se também o descaso do Secretário de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, em uma entrevista concedida à Rede Bahia de televisão no dia 08/03/2021, classificando a manifestação como um problema social a ser resolvido. Segundo ele, tanto as marisqueiras como os pescadores e demais manifestantes não utilizavam o trem. Isso é refutado no documentário de Carlos Pronzato, “Trem do subúrbio, trilhos de resistência”, que traz relatos de pessoas que utilizavam o trem, e por uma pesquisa promovida pela Bákó Escritório Público de Engenharia e Arquitetura da UFBA, Ministério Público do Estado da Bahia e Tec&Mob, feita em 2019, traçando o perfil dos usuários, sendo que 42% deles ganhavam, à época da pesquisa, menos que um quarto do salário mínimo e estavam abaixo da linha da pobreza. O perfil traçado aponta ainda que 90% dos usuários eram negros, 80% chegavam à estação do trem a pé e cerca de 70% afirmaram que deixarão de utilizar a linha ou reduzirão o uso após a mudança do modal.

Sabemos que as desigualdades sócioespaciais são advindas de uma estrutura que legitima, discrimina e segrega determinados grupos sociais pela raça/classe por determinar que são inferiores perante a branquitude. Isso acontece desde a época do processo de escravização em nome de um sistema econômico que sequestrou, matou e desde sempre vem desumanizando pessoas negras de simplesmente existir em sociedade. Pensar em um transporte público de qualidade que atenda a todos é pensar no impacto que isso tem para a vida dessas pessoas tanto nas condições objetivas quanto subjetivas dos sujeitos. Quais as formas desse impacto na vida das pessoas que utilizavam esse meio de transporte? Como ficaram as famílias que tinham suas casas no entorno do trem? Quais seriam os impactos provocados no meio ambiente por este modal? Eles terão como custear o novo valor estipulado para esse modal?

Falar sobre a transporte público e mobilidade urbana retrata aspectos que permeiam uma cidade urbanizada como Salvador, que não foi planejada e que diariamente vivencia contradições gestadas pelo sistema capitalista neoliberal, interferindo, assim, no modo da cidade ser, nas relações humanas, no capital x trabalho, promovendo inúmeras expressões da questão social, como violência urbana, desemprego, fome, privatizações nos setores públicos para a iniciativa privada e outros aspectos. Isso impacta ainda mais nas desigualdades sociais, dificultando, desse modo, que os moradores do Subúrbio Ferroviário vivenciem o que a cidade tem a oferecer nos seus diversos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos.

A temática do transporte público e da mobilidade urbana deve ser debatida continuamente na perspectiva de viabilização dos direitos sociais, elencando propostas e estratégias conjuntamente com os poderes públicos, classe trabalhadora, moradores e movimentos sociais, para se criar políticas públicas que atendam na perspectiva de gratuidade do transporte público ou alternativas viáveis, contemplando as populações mais vulneráveis residentes em diversos bairros do Subúrbio Ferroviário. O Estado é omisso ao não proporcionar nenhuma alternativa para suprir as necessidades sociais e econômicas dos mais afetados pelas mudanças, restando-lhes uma enorme lacuna com a retirada do trem, um transporte tão essencial e que fez parte da história de vida de vários soteropolitanos, que puderam embarcar em suas diversas estações por pelo menos 160 anos.


* Título completo: "Os impactos da retirada do trem na condição de vida e mobilidade dos trabalhadores do Subúrbio Ferroviário na cidade de Salvador – Bahia".

 

REFERÊNCIAS:

CRUZ, Cleide Daiane Sousa da. FILHO, Diosmar Marcelino de Santana. Racismo e direito à cidade: Uma análise sobre a cidade de salvador. Opará: Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, v. 8, 12/2020. Disponível em: <https://revistas.uneb.br/index.php/opara/article/view/1074> Acesso em: 20 out.2021

SOARES, Antonio Mateus, Sociologia e Sociedade – Tema, teoria e conceito, Salvador, FAST DESIGN, 2010, 170p.

TREM do SUBÚRBIO, TRILHOS de RESISTÊNCIA. Direção: Carlos Pronzato Direção, Roteiro e Produção: Carlos Pronzato. Edição: André Marinho, Câmera, entrevistas e montagem: Carlos Pronzato, Pesquisa: Ricardo Maia e Franco Coelho (Movimento Ver de Trem), Direção de Produção: Uilton Oliveira, Assessoria de Imprensa: Albenisio Fonseca, Música: Grupo Guias Cegos,Tema musical: Capitães de Areia (autor Neto Andrade). Doc. 2021 (50min) Português. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PLYJj3zoMk4> Acesso em: 20 out.2021.

Marisqueiros e pescadores fazem protesto e pedem retorno dos trens no suburbio de salvador não conseguimos trabalhar. Disponível em: <https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/09/24/marisqueiros-e-pescadores-fazem-protesto-e-pedem-retorno-dos-trens-no-suburbio-de-salvador-nao-conseguimos-trabalhar.ghtml> Acesso em: 21 out 2021.

Após mais de 160 anos trem do suburbio encerra as atividades usuários se despedem Disponível em: <https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/apos-mais-de-160-anos-trem-do-suburbio-encerra-atividades-usuarios-se-despedem/> : Acesso em: 15 out 2021. Entrevista a Nelson Pelegrino - Secretário de desenvolvimento urbano da Bahia comenta manifestação de pescadores Disponível em: <https://globoplay.globo.com/v/9329996/> Acesso em: 15 out 2021.

Trem urbano Disponível em: <http://www.sedur.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=19> Acesso em 15 out 2021.

Monotrilho no Subúrbio: Pesquisa aponta para prejuízo socioeconômico e da mobilidade de usuários do trem suburbano Disponível em <https://www.mpba.mp.br/noticia/50169> Acesso em: 15 out 2021.

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