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Por que não é correto chamar o Monotrilho do Subúrbio de VLT?

Atualizado: 22 de set. de 2021

Críticos do projeto alegam que deveria ter sido feito um novo processo licitatório, com novos estudos e mais debates, permitindo a participação das comunidades afetadas e de especialistas da mobilidade urbana. Por Daniel Brito e Mário Pinho

SkyRail Bahia

Oficialmente em obras desde que o trem do subúrbio foi desativado, o futuro monotrilho de Salvador, ao mesmo tempo em que gera expectativas em quem espera um transporte público de qualidade, também foi e é alvo de intensas discussões por causa de seu método de implantação. O novo modal, que ainda é chamado de VLT pelo governo estadual, embora não seja, preocupou não apenas ativistas da mobilidade urbana, mas também alguns moradores da própria região do subúrbio.


VLT? Monotrilho? Com certeza você já ouviu falar nessas duas palavras. A primeira foi anunciada pelo governo estadual para nomear a intervenção. A segunda, no entanto, foi pouco utilizada desde que a empresa responsável pela construção, a Skyrail Bahia, venceu a licitação do sistema.


Embora esteja sendo anunciado como “VLT Monotrilho Elevado”, como se fossem uma coisa só ou mesmo se o monotrilho fosse um tipo de VLT, os conceitos são amplamente diferentes. O VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), basicamente, trafega pela superfície, ou seja, no nível do solo, enquanto o monotrilho anda em cima de vigas de concreto.


A diferença conceitual fica clara em termos técnicos. Segundo o engenheiro eletricista e consultor de transportes Peter Alouche, em artigo publicado no ano de 2019 no portal da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), “o VLT usa uma tecnologia ferroviária com tração elétrica, muito conhecida desde o final do século XVIII, desde o tempo do velho bonde”, enquanto “a tecnologia do monotrilho é totalmente diferente dos sistemas metroferroviários, como os VLTs, visto que, apesar do nome, o veículo não circula sobre trilhos. As vias são geralmente estruturas de concreto ou de aço, em elevado, e os veículos circulam com rodas de pneus, apoiados na estrutura ou suspensos nela”.

Elaborado pelo Mobilize Brasil (http://www.mobilize.org.br/noticias/7113/monotrilho-ou-vlt-a-discussao-volta-a-tona.html)

Isso fica visível quando são comparados sistemas dos dois tipos implantados em diferentes cidades brasileiras. Em Santos (SP) e no Rio de Janeiro, o VLT trafega no nível do solo, enquanto que em São Paulo (SP), o monotrilho trafega por uma viga de concreto bastante alta, evidenciado as diferenças entre os modais. O governo estadual, no entanto, segue utilizando a sigla, dando um significado tecnicamente inexistente: “Veículo Leve de Transporte”.


Não era para ser monotrilho


O projeto do VLT do subúrbio é mais antigo do que se imagina. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, a ideia não é original do governo estadual. Ela foi concebida pela Prefeitura de Salvador em meados dos anos 2000, tempos após assumir a operação dos trens que, antes, eram administrados pela CBTU -- Companhia Brasileira de Trens Urbanos.


A capital baiana foi escolhida como uma das cidades-sede da Copa do Mundo de Futebol, que seria realizada em 2014, e um dos projetos de melhoria da mobilidade urbana era a transformação do problemático sistema de trens em um moderno VLT. No entanto, o município não tinha recursos próprios suficientes para colocar a ideia em prática, muito menos a capacidade de conseguir financiamento junto ao governo federal, já que as dívidas não permitiam.


Então, o jeito foi esperar até 2013, período que coincidiu com a mudança de gestão na Prefeitura. Naquela época, por conta dessa incapacidade que ainda continuava, a construção e operação dos trens do subúrbio e do metrô -- que nem sequer havia sido inaugurado -- foi transferida para o governo estadual. Juntamente com ela, foi o projeto do VLT.


Em 2014, logo após a Copa, o projeto foi anunciado pela primeira vez publicamente pela gestão estadual. Tratava-se de uma reforma no sistema de trens que traria composições mais modernas e estações totalmente reformadas. Mas com uma diferença: a linha começaria na Avenida São Luís, em Paripe -- uma estação após a original -- e terminaria no Porto de Salvador, com duas estações depois da Calçada.


A novidade, porém, foi cercada de dúvidas entre os moradores da comunidade e ativistas da mobilidade urbana. Foram tantos questionamentos que a justiça foi acionada por diversas vezes para suspender o edital de licitação -- três só em 2017, ano de seu lançamento. Isso fez com que o seu período de vigência expirasse e um relançamento fosse necessário no ano seguinte.


Em maio de 2018, o projeto ganhou uma empresa interessada: o consórcio Skyrail Bahia, de origem chinesa e formado pelas empresas BYD e Metrogreen do Brasil, que trabalhava com a tecnologia de monotrilho, diferente do anunciado.


Além dos questionamentos judiciais, a Operação Lava Jato desestruturou as empreiteiras nacionais - em geral, responsáveis por obras de transporte público no Brasil, além de ter cortado os subsídios e empréstimos a juros baixos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Como isso, as construtoras nacionais não estavam mais em condições de concorrer, tornando a licitação "deserta" (não teve interessados).


A falta de concorrência levou o governo estadual, na republicação do edital, a mudar o objeto da licitação de “VLT” para “VLT ou outro modal equivalente de transporte público urbano sobre trilho ou guia que o sustente, estabilize e guie”, dando margem para outros modais, como o próprio monotrilho, aparecerem.


Comparação entre a primeira publicação e a republicação do edital

Mudanças técnicas no projeto


A escolha pelo monotrilho assassinou de vez o Trem do Subúrbio. Antes da mudança, especialistas apontavam a possibilidade de implantação de bitola mista no sistema ferroviário, permitindo o compartilhamento da linha férrea entre o moderno VLT, o trem de passageiros de uma possível rede interestadual e o trem de carga. Mas nada disso foi levado em consideração.


O próprio projeto inicial do VLT sofreu modificações importantes. Ele previa um aumento no trajeto de 13,5 km para 18,5 km, ao ampliar a linha Paripe x Calçada para Paripe x Comércio, aumentando também o número de paradas, que saltaria de 10 para 21. As estações seriam construídas no nível do solo e as antigas, que serviam ao trem, seriam preservadas.


No entanto, com a mudança para o monotrilho, a linha ganhou nova extensão, sendo ampliada do Terminal Paripe para a localidade de Ilha de São João, que pertence ao município de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, e ganhando uma conexão entre a linha principal e a Estação Acesso Norte do metrô, o que também aumentou o número final de estações para 25.

Outra mudança considerável foi o remanejamento do terminal Comércio, que estava previsto ser construído em nível ao fim da Av. da França, muito próximo ao Terminal Marítimo, beneficiando a integração de modais. Por ser elevado e causar interferências na arquitetura da região histórica, que é tombada, a parada final foi alterada para a Praça Marechal Deodoro, cerca de 1 km distante.


O trecho da Ilha de São João até o Acesso Norte, com 21,20 km, foi denominado Linha Laranja, enquanto que o trecho dividido de São Joaquim até o Comércio, e com 2,06 km, chamado de Linha Verde.


Receios


Com tantas modificações em relação à proposta original, críticos do projeto alegam que deveria ter sido feito um novo processo licitatório, com novos estudos e mais debates, permitindo a participação das comunidades afetadas e de especialistas da mobilidade urbana.


Entre os receios, destaca-se a possibilidade de aumento da imobilidade urbana na região, pois boa parte da população soteropolitana não tem como pagar o atual valor da tarifa do sistema de transporte coletivo. Isso levaria, para além dos problemas sociais, a um aumento do endividamento do estado da Bahia. Sem usuários em quantidade suficiente para cobrir o investimento feito, o monotrilho corre o risco de andar vazio ou com baixa ocupação, sem resolver os graves problemas de mobilidade da cidade.


Mas os problemas não param por aí. O monotrilho impactará na bela paisagem da orla da Baía de Todos os Santos, destruirá patrimônios públicos e, principalmente, removerá centenas de famílias das suas casas, em um processo autoritário de desapropriações. No próximo artigo focaremos um pouco mais nesses aspectos.

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