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O ferry, a ponte e a Baía de Todos os Santos

O rodoviarismo – que ainda hoje prevalece na opção pela ponte – foi o responsável pela redução do transporte marítimo e, por consequência, pela estagnação das cidades do entorno da Baía. Agora, reincide-se no mesmo erro. Por Waldeck Ornélas

Jornal Correio, 15/12/2020

Embora seja festejada como uma dádiva da natureza, a Baía de Todos os Santos ainda não é tratada como uma área importante e estratégica para o desenvolvimento da Bahia. No máximo cada município vê o seu pedaço, ninguém olha o todo, nem mesmo o Estado.

Ações tópicas e localizadas são estabelecidas a partir da terra – um embarcadouro aqui, um terminal ali, um estaleiro acolá – nunca a BTS como uma unidade de planejamento! É preciso mudar o ponto de vista, para cuidá-la na sua integralidade. Conheço apenas duas únicas exceções: do meado do século passado, os termos de referência para o plano de turismo do Recôncavo, elaborado pela CLAN, a consultoria de Rômulo Almeida, e mais recentemente (anos 1990), o programa de saneamento ambiental Bahia Azul, que implantou esgotamento sanitário em todo o entorno.

Agora, mais uma vez, uma decisão é tomada sem contemplar o aproveitamento da BTS, mas, ao contrário, passando literalmente por cima dela: a construção da ponte Salvador-Itaparica. Corolário dessa decisão, será desativado a sistema ferry-boat, que faz a travessia Salvador-Bom Despacho. Os veículos terão por onde ir, mas os passageiros não podem ser desprezados. É preciso cuidar de gente!

Nos meus tempos de estudante, saía de ônibus de Ipiaú, pernoitava em Santo Antônio de Jesus, pegava o trem para São Roque do Paraguaçu e, finalmente, o vapor Maragogipe – da antiga Companhia de Navegação Baiana (CNB) – para então chegar a Salvador. Uma viagem multimodal!

O projeto do ferry-boat foi concebido no governo Luís Viana (1967-1971) e entrou em funcionamento em 1972, concentrando em um só ponto todas as antigas linhas de navegação da BTS. Uma extensa malha viária foi implantada para distribuir os passageiros pelos seus municípios. A opção privilegiava o modal rodoviário.

O rodoviarismo – que ainda hoje prevalece na opção pela ponte – foi o responsável pela redução do transporte marítimo e, por consequência, pela estagnação das cidades do entorno da Baía. Agora, reincide-se no mesmo erro.

O problema da travessia aquaviária e, por consequência, das demais ligações, não é o tempo de viagem, mas a frequência. Assim, a questão não é ter veículos mais velozes, mas veículos menores e em maior quantidade, claro que com a qualidade, o conforto e a segurança que falta às lanchas que fazem a travessia Mar Grande-Salvador.

O caminho é a elaboração de um Plano de Transporte de Passageiros para a Baía de Todos os Santos. Certamente o BID – que também financiou o Bahia Azul – acolherá com entusiasmo a proposta de inclusão desse projeto no Prodetur-BTS, condição essencial para a sustentabilidade dos investimentos que vem financiando. Os recursos serão oriundos do saldo gerado pela desvalorização cambial desde que o contrato de financiamento foi assinado.

O trabalho realizado pela Fundação Baía Viva na ilha dos Frades e o empreendimento das ilhas Bimbarras dão bem uma mostra do potencial de desenvolvimento ao longo de toda a BTS. Mas que só se multiplicarão na medida em que tenhamos um sistema de transporte turístico e de passageiros capaz de atender a múltiplos destinos no interior da Baía. Itaparica, Jaguaripe, Maragogipe, Cachoeira, São Felix, Madre de Deus, São Francisco do Conde estão à espera de uma oportunidade. É chegada a hora de aproveitar a BTS para fortalecer a economia dos dezoito municípios do entorno!

Os novos prefeitos têm o desafio de incluir nas suas agendas essa demanda, em favor dos seus munícipes. Não é muito pedir uma medida compensatória que com o tempo mostrar-se-á mais valiosa que a ponte. A Bahia precisa voltar as vistas para a sua maior Baía.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.

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