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A Ponte da Discórdia

O objetivo deste artigo é explorar o potencial benefício logístico que um empreendimento como a Ponte Salvador-Itaparica poderia gerar diretamente para a macrorregião afetada e consequentemente para todo o Estado da Bahia. Por Leonardo Sanches de Carvalho

Publicado no Site da Logística em 17/04/2013.

Ponte é uma construção destinada a estabelecer ligação entre margens opostas de um curso d’água ou de outra superfície líquida qualquer (FERREIRA, 1999). Ao longo dos séculos a construção de pontes pelo homem sempre foi considerada um sinal de progresso. Vencer obstáculos naturais por meio de uma ponte significa o encurtamento de distâncias, a facilidade de acessos à infraestrutura, saúde, educação, segurança, entre outras necessidades básicas que todos os seres humanos necessitam para sobreviver com dignidade.

Há cerca de trinta anos uma discussão tomava conta do Estado da Bahia e mais especificamente da cidade de Salvador. Tratava-se da possibilidade de construção de uma ponte ligando a capital baiana até a Ilha de Itaparica. Na época especulou-se que a Construtora Norberto Odebrecht faria a obra com recursos próprios, em troca da concessão de exploração por trinta anos ou período equivalente. Por ser polêmico, já naquela época, esse assunto dominou as manchetes dos veículos de comunicação por certo período de tempo e, em seguida, caiu no esquecimento por não ter se desdobrado em ações concretas e formais por motivos e interesses diversos. Se a obra tivesse acontecido, o período de concessão já teria caducado e o Estado teria hoje um equipamento importante sem onerar os cofres públicos.

No ano de 2009 o assunto da construção da Ponte Salvador-Itaparica voltou à esfera de discussões por conta das obras de infraestrutura previstas pelo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Autoridades políticas do Estado viram uma boa possibilidade de soerguer o polêmico assunto da ponte e lançaram-no mais uma vez na mídia. Novamente, o mesmo se mostrou como nitroglicerina pura e mais uma vez as divergências de pontos de vistas vieram à tona. Nesse início de 2013 o Governo do Estado retomou mais fortemente o assunto quando divulgou a contratação sem licitação (baseado em expertise e notório saber) de uma renomada consultoria para fazer a modelagem de desenvolvimento econômico e concessão e, mais recentemente, divulgou também o edital de engenharia.

Pronto! O cabo de guerra se formou... Discursos inflamados contra e a favor da ponte, baseados em elementos técnicos ou de pura paixão, ideologias político-partidárias, estratégia eleitoreira, irresponsabilidade administrativa, projeto factóide e mais outras dezenas de adjetivos, descrições, estereótipos, etc, permearam os meios de comunicação numa “guerra” onde os principais envolvidos, a população, não têm voz e vez e se vêem representados por atores que só visam o bem “coletivo” do pequeno grupo no qual estão inseridos. Uma consulta pública através de um plebiscito não demonstraria claramente a vontade dos baianos?

Independente de qualquer ideologia, o objetivo deste artigo é explorar o potencial benefício logístico que um empreendimento como a Ponte Salvador – Itaparica poderia gerar diretamente para a macro-região afetada e consequentemente para todo o Estado da Bahia.

Mundo afora pode-se verificar inúmeras megaconstruções de pontes com o dobro ou o triplo do tamanho que se propõe para a Ponte Salvador-Itaparica. De fato, trata-se de um equipamento de integração, de necessidade, de desenvolvimento. A China e os Estados Unidos concentram as seis maiores pontes do mundo (Qingdao Haiwan, Lago Pontchartrain, Pântano Manchac, Baía de Hangzhou, Runyang e Donghai), todas com mais de trinta quilômetros de extensão. Na atualidade, a maior ponte sobre água salgada existente na Terra é a Qingdao Haiwan localizada na cidade de Qingdao, na província de Shandong, na República Popular da China e tem 42,5 quilômetros de extensão. Ainda pode-se destacar a ponte da Baía de Sidney (Austrália), a Vasco da Gama (Portugal) e a Ponte Presidente Costa e Silva aqui no Brasil mais conhecida como a Ponte Rio-Niterói com seus quase 14 quilômetros de extensão.

Era notória em praticamente todas as cidades que adotaram esses gigantes de integração a necessidade de se vascularizar as suas metrópoles. Com Salvador não é diferente! A característica geográfica de península que nos deu a magnífica Baía de Todos os Santos, nos trouxe também o ônus de ficarmos encurralados somente com uma saída ao norte por terra. Nos feriados prolongados e, principalmente, no período das festas juninas é que o baiano, mais especificamente o soteropolitano, sente na pele e no bolso os efeitos dos intermináveis congestionamentos na BR-324. A maior parte da população se destina às cidades das regiões Oeste, Sudeste ou Sudoeste e ainda assim precisa se deslocar mais de cem quilômetros ao norte, até as proximidades de Feira de Santana, para depois, então, tomarem o seus rumos corretos. Aliás, a BR-324, após o advento das praças de pedágio, trouxe consigo congestionamentos diários para a entrada e saída da cidade.

Certamente existirão impactos do ponto de vista turístico para toda a Região Metropolitana de Salvador (RMS) incluindo a Ilha de Itaparica. Impactos estes que se estenderão a toda região do Baixo Sul (rumo a Itacaré-Ilhéus) com a redução das distâncias rodoviárias. Diversas variáveis podem influenciar o estabelecimento do preço do transporte, entre elas: distância percorrida; custos operacionais; possibilidade de carga de retorno; carga e descarga; sazonalidade de demanda por transporte; especificidade da carga transportada e do veículo utilizado; perdas e avarias; vias utilizadas; pedágios e fiscalização; prazo de entrega; e aspectos geográficos. Contudo, a maioria dos trabalhos que aborda a estrutura dos transportes considera a distância como principal fator de determinação dos custos, independentemente do modal utilizado. Portanto, economizar mais de cem quilômetros, no caso da ponte, no custo do modal rodoviário, que é a base do transporte de cargas do nosso país, será muito significativo.

Ajudará ainda a integrar a economia do Recôncavo sim! Afinal de contas, reduzir distâncias significa reduzir tempo e custos. Falta um pouco de bom senso àqueles que falam o contrário. Pode não ser a melhor alternativa de integração para o Recôncavo, entretanto, a obra da Ponte servirá a todo o Estado, não somente ao Recôncavo. Aliás, nessa questão, precisa-se fazer justiça às outras regiões do Estado da Bahia que em alguns momentos da História parecem terem inexistido e talvez um dos motivos para esse fato tenha sido o seu distanciamento ou dificuldade de transposição oceânica em relação a Salvador.

Cabe falar ainda que resolverá questões relativas a capilaridade, uma vez que deverá propiciar a integração com equipamentos logísticos estratégicos como o Porto Sul e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste, além de permitir acesso direto as BRs 101, 116 e 242. Facilitará também o acesso aos portos de Salvador, Aratu e Pólo Naval sem interferir na capital baiana. Isso é bastante relevante, pois, mais de 80% de todo o comércio exterior da Bahia ainda é estabelecido através desses canais. Isso sem falar no capítulo à parte que se tornou o serviço de Ferry boats, pois demandaria outro artigo, completamente dedicado ao assunto.

Por outro lado, há o confronto com o discurso das “prioridades”, ou seja, existem problemas relacionados a educação, saúde, segurança, habitação, entre outros, que poderiam ser amenizados com o montante de recursos aplicados em um projeto como o da Ponte Salvador-Itaparica. Entretanto, nos deparamos com algo paradoxal, uma vez que essas áreas que são realmente prioritárias possuem, via de regra, orçamentos significativos e que normalmente são mal geridos. Portanto, se houvesse uma “profissionalização” da gestão pública com mais técnicos e menos políticos, certamente o dinheiro chegaria na “ponta” em todas as áreas e discussões como essas seriam inócuas.

Portanto, entender que há viabilidade técnica na implantação de uma megaconstrução como a Ponte Salvador-Itaparica está muito distante de fecharmos os olhos para oportunismos eleitoreiros, malversação do dinheiro público, contratos duvidosos, superfaturamentos, enfim, para a falta de gestão e para a imensa competência e criatividade de alguns para processos ilícitos. Logo, precisa-se entender que o foco do problema não é a Ponte e sim a gestão de todos os recursos financeiros e políticos que norteiam esse empreendimento. Ouso afirmar que se existissem garantias da exclusão do “descaminho” nesse processo, não haveria sequer um cidadão da Bahia contra o advento da ponte.

Espera-se ainda que com a facilitação do acesso das pessoas, mercadorias e serviços pela Ponte Salvador-Itaparica, as consequências sejam imediatas e exponencialmente crescentes, demandando reestruturações e adequações culturais e comerciais, de modo a atender a este novo mercado. Por conta disso todos os atores envolvidos - comunidades, esferas pública e privada - terão que acompanhar o “trem da história”, ou melhor, “a ponte da história”, como agentes de indução e facilitação à quebra de paradigmas e combatentes de possíveis vícios e oportunismos que eventualmente surgirão.

O Brasil possui uma democracia consolidada e os brasileiros não podem permitir que conflitos de interesses de uma minoria e disputas político-partidárias se tornem elementos de impedimento a implementação de obras como esta da Ponte Salvador-Itaparica.

Imaginem como seria a nossa História sem os visionários, os pioneiros e os desbravadores que acreditaram em grandes desafios. Sem os trabalhos de pesquisadores, cientistas e humanitários que contrariaram muitos ao defender as suas convicções e teorias em busca de ideais. Sem os grandes empreendedores que estiveram à frente de obras estruturantes. Através dos tempos a velocidade das mudanças só aumentou e sempre desafiaram a nossa vontade e/ou capacidade de empreendermos e buscarmos realizações cada vez maiores.

Portanto, cabe a nós, sociedade, transformarmos as mazelas da imagem projetada de uma ponte de discórdia, desmandos e descaminhos em uma imagem projetada de uma ponte para o desenvolvimento e o progresso.

O Engenheiro Leonardo Sanches de Carvalho atuou em empresas de grande porte como a Vale e a General Electric, durante treze anos foi gerente da Área de Logística e Gestão da Produção do SENAI CIMATEC e, atualmente, integra o Núcleo Estratégico do SENAI da Bahia e é o gestor do Site da Logística.

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