Manifesto por um Sistema Único da Mobilidade Urbana para combater as desigualdades, a crise climática e garantir o direito à cidade.
A Mobilidade Urbana vive uma situação calamitosa em todo o país. Mobilidade a pé, por bicicleta e transporte público coletivo enfrentam problemas. Má qualidade, ausência de veículos rodando, redução de pessoas usuárias, aumentos constantes de tarifa, falta de financiamento para infraestrutura adequada e políticas públicas que priorizam o veículo individual motorizado que se aprofundaram com a pandemia de Covid-19. Ficou exposta à falência do modelo atual: custeio exclusivamente a partir da tarifa, remuneração dos operadores sem transparência, falta de controle público e social sobre os sistemas. É necessária uma mudança radical desse modelo: o governo federal e os governos estaduais precisam se responsabilizar e pensar em ações e políticas públicas junto da sociedade civil. As cidades não podem seguir sendo pensadas para os carros e motos. Precisamos garantir cidades para pessoas, com mais ônibus, metrôs e trens circulando.
Em uma situação de crise generalizada, cresce a urgência pela ampliação dos serviços de transporte e de mobilidade como forma de combate às mudanças climáticas, atendimento às urgências da qualidade do ar e redução das desigualdades nas cidades, mas não vislumbramos até o momento alguma resposta estruturada nesse sentido.
É possível superar essa situação?
Como fazer para que o direito ao transporte, que está no rol dos direitos sociais da Constituição, seja plenamente realizado? Como fazer para que utilizar o transporte público coletivo seja uma experiência de conexão com a cidade e seus espaços, um meio para a ampliação da democracia e contribuição para equidade?
Para fazer frente a esta situação, as organizações da sociedade civil, movimentos sociais e pesquisadoras da pauta, que assinam esta carta, demandam a construção de um Sistema Único de Mobilidade, o SUM.
As lutas por mobilidade no Brasil convergem para esta proposta: movimentos sociais e estudantis em defesa da tarifa zero, inseridos na luta pelo direito à cidade, a batalha pela garantia da acessibilidade universal, bem como a institucionalização de pesquisas e construção de políticas públicas, passando pela divulgação da ideia de SUM por parte do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte - MDT e experiências transformadoras, das gestões progressistas de prefeituras nos anos 90 ao Fórum Social Mundial.
Sistema Único não é uma invenção nova: esse é um conceito estruturante da política pública brasileira e da luta pela universalização dos direitos sociais, começando noSistema Único de Saúde - SUS e prosseguindo com oSistema Único de Assistência Social - SUAS. Sua ideia é a construção de um sistema integrado nas esferas federal, estadual e municipal com ações estruturantes e priorização de investimentos em consonância com as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
RUMO AO DUPLO ZERO - ZERO TARIFA E ZERO EMISSÕES!
A nossa construção coletiva parte de alguns princípios fundamentais:
INTEGRALIDADE: SUM como promotor de acesso a todas as esferas de serviço da mobilidade urbana, de forma integrada, em uma lógica porta-a-porta, privilegiando a intermodalidade e a integração completa (física, tarifária e operacional), sem restrição de horários.
SUSTENTABILIDADE: SUM como instrumento de combate à crise climática e de melhoria da qualidade do ar, por meio da substituição tecnológica por veículos que corroborem com a redução de poluentes, a ampliação da oferta de transporte coletivo, da melhoria das condições do caminhar e do pedalar e da melhor ocupação e uso do solo urbano.
EQUIDADE: SUM como um instrumento de combate às desigualdades, às violências, e às exclusões territoriais, sociais, de gênero e raciais, especialmente para as pessoas que se encontram em situação de imobilidade urbana.
UNIVERSALIDADE: SUM como garantidor de acesso universal das pessoas aos espaços e oportunidades das cidades, sem discriminação de qualquer natureza.
ACESSIBILIDADE: SUM como instrumento de inclusão social mas também garantia de acesso à mobilidade especialmente para pessoas com deficiência, baixa mobilidade ou restrição de mobilidade.
Também queremos que o SUM seja orientado pelas seguintes diretrizes:
- Participação e controle social deliberativos - construção coletiva de políticas públicas, ouvindo as necessidades da população usuária;
- Promoção da gestão metropolitana e de consórcios entre municípios;
- Linhas de financiamento para implementação de infraestruturas voltadas para o transporte público e mobilidade ativa, com ênfase em Ruas Completas, segurança viária e zero mortes no trânsito;
- Financiamento, distribuição de recursos e responsabilidades de forma integrada entre as três esferas de governo: gestão municipal e aumento de atuação das esferas estaduais e federal;
- Integração entre o planejamento urbano e o planejamento da mobilidade urbana, visando priorizar cidades compactas, adensadas, com priorização de investimentos de transportes de média e alta capacidade;
- Implantação de estratégias para a redução do tráfego e uso de veículos particulares e aprimoramento da logística urbana;
- Implantação de novas formas de gestão dos sistemas de transporte -transparência na composição de custos para a correta aplicação de subsídios;
- Criação de canais de comunicação permanentes, com divulgação de informações em linguagem acessível;
- Produção de dados de qualidade (informações sobre raça, gênero, idade, região e outros dados sociodemográficos) que norteiem as políticas públicas a partir de uma perspectiva de dados abertos, transparência e respeito à Lei Geral de Proteção dos Dados - LGPD;
- Controle público sobre dados de GPS, bilhetagem eletrônica e outros meios, para poder monitorar, fiscalizar e avaliar o transporte público;
- Frota limpa e fiscalização da emissão de poluentes - ações concretas para a renovação da frota, para que o país possa cumprir os compromissos climáticos já acordados.
É hora de pensar em sistemas que centrem a qualidade e o conforto da população usuária, no ônibus ou no trem, mas também na calçada e no ponto de ônibus, que sejam capazes de atrair novas pessoas passageiras para o Transporte Público Coletivo - TPC e trazer de volta aquelas que foram excluídas dos sistemas de transporte, pela falta deles, de acesso universal ou por conta de seu custo elevado.
Nas atuais condições de emergência climática, crise econômica e aprofundamento geral das desigualdades urbanas, é urgente nos mobilizar, sempre em rede e focando a ampliação das vozes ouvidas, para que o direito ao transporte e à mobilidade se realize plenamente, um passo decisivo para o bem viver nas nossas cidades.
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