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Expresso Salvador: transição modal ou segregação social?

Atualizado: 2 de abr. de 2023

Só quem tem direito a um transporte humanizado são as classes médias e altas? Os foliões dos bairros periféricos e populares são menos importantes para a realização do carnaval? Por ObMob Salvador



Na última terça-feira, 31 de janeiro de 2023, a Prefeitura de Salvador anunciou a reedição do serviço “Expresso Salvador” como uma solução de mobilidade urbana durante os festejos carnavalescos. Segundo as informações divulgadas, serão oferecidos 70 ônibus, todos com ar condicionado, visando dar "mais conforto ao usuário" (sic). Além disso, a SEMOB revelou que a operação terá início a partir da quinta-feira de carnaval (16 de fevereiro) e vai até a terça-feira, das 13h às 6h, com saídas a cada 20 minutos de três shopping centers[1].

É preciso lembrar que essa operação existe desde 2014 (com exceção dos anos de 2021 e 2022 devido à pandemia) e, conforme indica a Secretaria de Mobilidade, “transportou mais de 70 mil pessoas em 2020, último ano em que foi realizado o Carnaval”. Entretanto, durante esses anos em que o serviço foi ofertado, não houve transparência sobre o custo e impacto da medida, impedindo que fosse feito o monitoramento da política, propondo ajustes ou mesmo que se realizasse a confrontação entre o total gasto e o total arrecadado.

A criação de linhas de ônibus deve ser comemorada, da mesma forma que deve ser criticado o seu corte. No período de carnaval, é fundamental oferecer à população as condições de locomoção para quem curte e trabalha na festa, especialmente para quem tem o transporte público como única solução de mobilidade. Entretanto, o serviço Expresso Salvador objetiva atender os bairros de classe média e seus foliões de alta renda, enquanto permanece um vazio sobre o plano de transporte público para as regiões periféricas da cidade, a exemplo do Subúrbio Ferroviário e Miolo, onde estão quase uma centena de bairros e a maioria da população soteropolitana.

O valor cobrado pelo trecho confirma que se trata de uma medida segregacionista: R$15,00 (além de R$7,00 para adquirir o cartão). Ou seja, 300% mais cara que a já custosa tarifa dos ônibus convencionais, além de não permitir a integração. Quer dizer, não permite a integração com metrô e demais ônibus convencionais, mas possibilita o uso gratuito dos estacionamentos dos três shoppings centers de onde partem os ônibus. Aliás, também não se sabe se isso implica em mais custos para a operação.

Dois shoppings parceiros (ou contratados?) da iniciativa, como o Salvador Norte Shopping e o Shopping Paralela, possuem pistas de alta velocidade no entorno (a BA-526 CIA-Aeroporto e a Avenida Paralela permitem a velocidade máxima de 80 km/h). É importante destacar que, mesmo para acessar as residências que se localizam no entorno, são necessárias longas caminhadas em ambientes absolutamente hostis ao pedestre. Dessa forma, tanto para quem mora longe quanto para quem mora nos arredores dos referidos shoppings, a Prefeitura acaba por incentivar o uso dos automóveis particulares antes e após o desembarque dos ônibus. Não é preciso um raciocínio lógico muito apurado para compreender que isso revela um claro estímulo a que as pessoas cometam uma infração de trânsito gravíssima (conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool). Não se pode, nesse caso, contar com a responsabilidade do folião que será o “motorista da rodada”, uma vez que a festa, por si só, já é patrocinada por uma empresa de bebidas. Vai ver que a Transalvador pretende montar uma blitz da saída de cada estacionamento a fim de impedir os infratores de colocar em risco não somente os usuários do serviço, mas toda a população.

É preciso ressaltar que uma política de transição modal é mais do que necessária não somente no período do Carnaval. O incentivo à diminuição do uso dos automóveis particulares e ao uso do transporte público coletivo em qualquer momento do ano deve ser celebrado. Todos ganham com a mudança comportamental: menos sinistros de trânsito, engarrafamentos, poluição e, não menos importante, menos estigmatização do transporte público coletivo. No entanto, o que o Expresso Salvador promove não é transição modal, de modo que ele não pode sequer ser considerado como ponto de partida ou referência para uma política permanente nesse sentido.

Medidas de transição modal não podem vir marcadas pelo viés segregacionista que tanto caracteriza a nossa cidade. O Expresso Salvador deveria custar no máximo o mesmo que o ônibus convencional e ser colocado à disposição de toda população que faz e curte o carnaval. No entanto, as pessoas precisam desembarcar nas proximidades das suas residências, não em shopping centers. Ou, pelo menos, poder fazer a integração com o metrô e ônibus convencionais.

Afinal, só quem tem direito a um transporte humanizado são as classes médias e altas? Os foliões dos bairros periféricos e populares são menos importantes para a realização do carnaval? Além disso, não custa perguntar: os 70 ônibus serão retirados da frota convencional, prejudicando ainda mais o restante da população, ou serão trazidos de outras localidades?

Já ficou claro que há muitos problemas na “solução” Expresso Salvador desde a sua concepção à forma como será executada. Além da magia e emoção, há muitas questões no ar. Pelo visto, para muita gente, a única solução de mobilidade possível será andar a pé pela cidade bonita. Ou de caminhão. Só não pode faltar a fé.


Nota:

[1] Neste ano serão criadas cinco linhas temporárias: Salvador Shopping x Isba (Ondina), Salvador Shopping x Barra, Salvador Norte Shopping x Barra, Salvador Norte Shopping x Isba e Shopping Paralela x Barra.

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