Ele explica que o modal não se enquadra na nomenclatura VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), pois irá sobre uma estrutura elevada de concreto e contará com pneus para a sua mobilidade. Por Mari Leal
Publicado por Bahia Notícias
A proximidade da data de paralisação do sistema de trens do Subúrbio de Salvador, marcada para o dia 15 de fevereiro pelo governo da Bahia, reacendeu as discussões em relação aos impactos e as mudanças que serão impostas àquela região, bem como à população que reside nos bairros que serão atravessados pelo novo equipamento.
A proposta de modernização do transporte coletivo no Subúrbio Ferroviário, de acordo com o governo estadual, prevê a instalação de um VLT/Monotrilho, que irá substituir o atual sistema férreo e ligará o Comércio, em Salvador, à Ilha de São João, em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, permitindo ao usuário a integração tarifária com o metrô da capital e com o sistema rodoviário urbano. O projeto prevê uma ligação com quatro estações entre a região de São Joaquim, passando pela Via Expressa e fazendo a integração com o sistema metroviário no Acesso Norte.
A obra, no entanto, para além do discurso de modernização do sistema de mobilidade, traz para o centro do debate questões relativas aos aspectos socioculturais, a exemplo da pesquisa que mostrou a impossibilidade financeira de 90% dos atuais usuários dos trens de custear a nova tarifa, a qual deverá se igualar aos demais modais da capital, passando para R$ 4,20 (reveja aqui e aqui).
Para o urbanista Carl von Hauenschild, o modelo final da intervenção representa retrocesso do ponto de vista tecnológico, do desenvolvimento econômico, em médio e longo prazo, assim como paisagístico. “É um tiro no pé”, diz.
A intervenção viária será efetivada pela Skyrail Bahia, composto pelas empresas BYD Brasil e Metrogreen, responsável pela implantação e operação do sistema. É neste ínterim, segundo Hauenschild, que se estabelece o impacto tecnológico, pois “não existe outra empresa que forneça os equipamentos para manutenção desse sistema”.
“A gente tem uma PPP (Parceria Público-Privada) de 35 anos e nesse tempo a empresa está obrigada a fornecer qualquer peça e garantir a manutenção do sistema. Mas imagine se a empresa fecha ou se depois de 30 anos não querem mais operar o sistema. A Bahia vai mudar todo o sistema para adaptar a uma nova empresa?”, questiona o urbanista. Segundo ele, o modelo do equipamento que estabelece o projeto já não se aplica em nenhuma cidade do mundo.
Ele explica que o modal não se enquadra na nomenclatura VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), pois irá sobre uma estrutura elevada de concreto e contará com pneus para a sua mobilidade, enquanto um sistema VLT opera no nível do solo e pode ser adaptado em vias que também permitem a passagem de veículos automotivos.
“Não se enquadra como VLT porque corre em cima de pneus. O governo insiste em chamar de VLT porque não quer admitir que na licitação só apareceu uma única empresa chinesa que falava que não tinha a tecnologia VLT e só podia ofertar a monovia elevada. Aí começou toda essa problemática. A grande vantagem do VLT é que é um sistema flexível e que pode se adaptar ao sistema de tráfego junto com carros”, diz o urbanista.
Sobre a discussão da nomenclatura e mudanças realizadas no processo de licitação, o secretário estadual de Desenvolvimento Urbano, Nelson Pelegrino (PT), pondera que o edital de licitação fala em VLT ou modal equivalente. "Isso cabe um monotrilho terrestre, um VLT terrestre, mas cabe também um monotrilho elevado. O monotrilho é um modal equivalente, com uma capacidade maior, uma envergadura maior. A licitação atendeu plenamente ao que estava previsto no edital, explica o secretário.”
A Secretaria Estadual de Desenvolvimento (Sedur) é a pasta governamental responsável pela coordenação das tratativas de implantação do modal. “A BYD, que lidera o consórcio junto com a Skyrail e a Metrogreen, é um dos maiores fabricantes de equipamentos rodantes do mundo. Ela fabrica trem, carros elétricos, ônibus elétricos, painéis solares, entre outras coisas. Mas não há apenas uma empresa que fabrica monotrilho. É uma gigante no setor”, destaca o secretário.
Pelegrino acrescenta que o VLT terrestre traria “inconvenientes” para as populações do entorno da via e criaria a necessidade de construção de passarelas para a travessia das vias, assim como os carros que seriam obrigados a fazer o compartilhamento. “É possível o compartilhamento, mas isso reduziria a performance, diminuiria a velocidade, coisa que no monotrilho não tem por ser elevada e não faz o seccionamento das população ribeiras”.
DESENVOLVIMENTO
Do ponto de vista econômico e do desenvolvimento da capital baiana em médio e longo prazo, o urbanista Hauenschild avalia que o modelo final, sustentado por concreto e vigas “complica o futuro de Salvador”. Destaca inicialmente que a possibilidade de interferência na agilidade de integração entre a capital com a região metropolitana. Para ele, um sistema de ferrovias gera ganhos “porque permite que equipamentos diferentes circulem na mesma estrutura. “Tenho um sistema férreo estruturado, em um mesmo traçado podem circular trens de passageiros, mas também de cargas e outras opções que reduz as distâncias. Com a decisão pela monovia perde-se a oportunidade de ter acesso ferroviário de entrada em Salvador”, lamenta.
Hauenschild pontua também um impacto no desenvolvimento portuário da capital baiana. “Não existe desenvolvimento portuário sem acesso ferroviário. Salvador é a maior detentora aquática da Baía de Todos-os-Santos. É uma área da boca que permite fazer portos fora da linha do continente. Para o futuro a gente precisará de navios de maior calado que não cabem mais dentro dos portos que a gente tem".
"A economia e o desenvolvimento de Salvador dependem da preservação e do desenvolvimento portuário e para isso precisa ser ligado a rodovia”. Acrescenta ainda que “ter uma faixa de ferrovia significa ter a capacidade futura de sustento dentro do município, inclusive da parte aquática. É uma visão a médio e longo prazo. Se não tem visão está cavando a própria cova”.
Pelegrino, por sua vez, discorda da inviabilidade de integração entre Salvador e a RMS. Na avaliação do gestor, “cada etapa tem sua melhor solução implanta” e podem, ainda assim, “operar de forma integrada”.
Já do ponto de vista paisagístico, o urbanista chama atenção para a composição visual dos 20 km por onde os elevados serão construídos. Para ele, erguer estruturas de concreto, com pilares espaçados por vãos de 30 metros entre eles, compromete as possibilidades de usos diversos do espaço, além de comprometer a imagem visual propriamente dita.
“Inúmero pilares na visão do mar que, por um lado, impede a visualização, sendo um impacto ambiental e paisagístico. Impede também o futuro uso diferenciado desses espaços. Você está dispondo de uma área através de construções que são fixas para poder inviabilizar o uso da área. Nesse trecho há também elementos tombados, que também são impactados e também sua apreciação visual”, pontua Hauenschild.
O chefe da Sedur destaca, porém, que onde tem hoje os trilhos dará lugar ao chamado Parque Linear, que prevê construção de passeios, ciclovias e outros equipamentos de lazer. “Melhorar o traçado urbano e promover valorização urbanística em toda a área”, defende Pelegrino.
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