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Trens que se acidentaram no Subúrbio operavam desde a década de 60

Atualizado: 12 de dez. de 2021

​​​​​​​Segundo a CTB, equipamentos passam por manutenções semanais; usuários reclamam.

Por Tailane Muniz


Foto: João Souza/G1 BA

Um monte de ferro-velho, pronto para o descarte. Os passageiros não demonstram prazer em usar o serviço e relacionam as composições que atendem ao sistema ferroviário em operação no Subúrbio de Salvador com sucatas. Quando a dona de casa Iraci Mel dos Anjos, 63 anos, comenta a espera por equipamentos novos, que possam atender à demanda de 14 mil usuários por dia - e com segurança - se diz motivada por amor.

Iraci nem imagina, mas o comboio de quatro trens que compõe a frota utilizada por ela, diariamente, há 50 anos, tem quase sua idade. Lá se vão 59 anos de operação, segundo a Companhia de Transportes do Estado da Bahia (CTB), administradora do sistema - existente desde 1860. “Não existe um bom transporte para o Subúrbio. Não fosse essa sucataria, seria meu sonho de vida”, diz, sobre novos trens. A CTB rebate. À reportagem, o diretor de Operação e Manutenção, Hidelson Menezes, explica que não há como estimar o tempo de vida útil dos equipamentos, que, garante ele, passam por manutenção corretiva “sempre que necessário”, e preventiva às quartas-feiras e sábados. “São como aviões, não há como dar uma data para isso, o importante é manter os reparos regulares”, defende.

Enquanto Iraci reclama da segurança, da limpeza e da ferrugem exposta. “Isso é muito triste para nós, que vivemos aqui. Uma coisa tão boa, uma vista tão linda, mas a gente não tem paz com eles [trens] assim, é uma história triste de amor”, fala a moradora de Plataforma, cheia de justificativas, contudo, para renegar o Veículo de Leve Transporte (VLT) do Subúrbio, aposta do governo para a substituição do sistema ferroviário.


Em 2013, um trem climatizado foi entregue pela prefeitura de Salvador - que então operava o sistema. O trem foi disponibilizado após convênio entre a prefeitura e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), assinado ainda durante a gestão João Henrique.


A previsão, à época, era de que dois outros trens climatizados fossem entregues em 90 dias - as entregas dependiam de cronograma do governo do estado, que estava assumindo o comando do serviço. Procurada, a CTB informou, através de assessoria, que o trem climatizado apenas operou por poucos dias, saindo de circulação ainda em 2013.


VLT

O novo projeto para o Subúrbio prevê que o VLT faça a ligação entre o bairro do Comércio e a Ilha de São João, em Simões Filho. Para a segunda fase, há ainda uma extensão até o Acesso Norte do metrô. O modal é previsto para ser entregue em etapas, em até dois anos. Tipo monotrilho, será construído sobre vigas, e não interfere no tráfego de veículos, detalha a CTB.


Ainda sem definição de tarifa, o modal tem capacidade para cerca de 156 mil usuários por dia - metade do que o trem transporta atualmente, e será movido à propulsão elétrica, sem emissão de agentes poluentes que prejudicam o meio ambiente, frisa a empresa.


Mais conforto e segurança, defende Hidelson Menezes, e reconhece que se trata da contramão do que os passageiros encontram atualmente. “O Estado vai decidir o valor. Mas é utópico pensar na tarifa de R$ 0,50 [valor pago atualmente para percorrer os 13,5 kms em velhos trens]. O trem opera porque pode operar, sem conforto, mas com condições. As pessoas vão resistir [ao VLT], a princípio, mas é um novo conceito”.


Para a autônoma Bárbara Conceição, 24 anos, a novidade também não agrada. “Duvido que o VLT funcione bem aqui. Qual o preço? Eles fazem essa propaganda, mas não dizem exatamente onde vai ficar. Vai ligar todo o Subúrbio? ”, indaga ela, que mora em Periperi e utiliza o trem três vezes por semana.


Desde que 47 pessoas ficaram feridas após um choque entre duas composições, na sexta-feira (1º), apenas um trem passou a atender à demanda diária de todo o Subúrbio. Hoje, por exemplo, a espera pelo trem chegou a mais de uma hora e 20 minutos.


Sobre o choque, o diretor de Operação e Manutenção se limitou a dizer que só será possível concluir a causa da batida depois que os laudos periciais forem concluídos pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT). E adiantou que dois trens podem trafegar na mesma via, mas nunca no mesmo trecho.

“São monitorados pelo Centro de Controle Operacional (CCO). Pode ser um problema mecânico, de falha humana, ou outras naturezas, é preciso esperar”, informa, ao afirmar que uma comissão especial foi aberta para apurar o caso.

O sistema faz a ligação de 13,5 quilômetros entre os bairros de Paripe e Calçada - onde é registrada a maior circulação de pessoas.


Após o acidente, a espera pelo trem aumentou: passou de 40 minutos, número da CTB, para uma hora e 20 minutos, calculam os suburbanos. O CORREIO permaneceu por uma hora e 15 minutos na estação Paripe, mas um trem sequer foi visto na linha férrea.


‘Estamos vendo a hora de morrer’

O tempo que passa na estação é o que menos importa para a pensionista Clarice Nascimento, 64. A calmaria dos trilhos, aliada aos R$ 0,50 que paga para utilizar o sistema centenário, faz do transporte o “melhor de todos”, declara ela. Mas nem tudo é economia e tranquilidade.


“Eu dei graças a Deus que não saí de casa no dia do acidente. Fiquei triste, apavorada. Porque amo, eu gosto muito de andar neles, mas a verdade é que são sucatas”, lamenta a pensionista, que utiliza o transporte ao menos quatro vezes por semana para ir até Paripe.

É na localidade vizinha onde encontra atendimento médico para cuidar de um problema de circulação que afetou parte da sensibilidade da perna esquerda. A contragosto, a moradora de Periperi, elege as maiores insatisfações quanto à linha única que atende às 22 localidades do Subúrbio. “O acesso é melhor para mim, o preço também. Mas estamos vendo a hora de morrer aqui, entregues”.


E explica que evita falar por medo “de acabar”. Diz que a extinção do transporte, para os suburbanos, seria também o fim do “acesso mais barato”, e, consequentemente, do direito de ir e vir.

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