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Projeto para o Subúrbio preocupa moradores

Atualizado: 11 de dez. de 2021

Inaugurada em 1860, a ferrovia teve a duplicação das vias concluída só quase 100 anos depois, em 1953. Por Eduardo Machado


Leona do Carmo, 37, utiliza a linha férrea todos os dias para ir ao trabalho | Foto: Moisés A. Neuma | Agência Mural - Foto: Moisés A. Neuma | Agência Mural

Todos os dias, a costureira Leona do Carmo, 37, vai de trem do bairro Lobato, onde mora, para o seu trabalho na região da Calçada. Ela é uma das 14 mil passageiras diárias do Sistema de Trens do Subúrbio Ferroviário de Salvador que, com 15 quilômetros de extensão e 10 estações, liga os bairros de Paripe e Calçada. Leona está de olho nas mudanças planejadas para a linha. Em 2013, o governo estadual da Bahia falava em revitalizar a linha férrea com a implantação de um VLT (Veículo Leve sobre Trilho). Porém, recentemente, a CTB (Companhia de Transportes do Estado da Bahia), responsável pela administração do sistema, tem divulgado que o projeto implantado será o de um monotrilho com estações elevadas.


Apesar de não estar satisfeita com as condições atuais do transporte, Leona teme mudanças, sobretudo nos custos, que considera acessível aos moradores. “Pode ter o conforto, algo melhor, mas nós suburbanos estamos acostumados com o trem e o povo que usa essa linha é muito pobre, precisa muito dele. Prefiro a linha férrea do que o concreto, mas o sistema está muito degradado”, observa. O receio da passageira é que a tarifa atual de R$ 0,50 aumente para R$ 4,20, valor das passagens no sistema de transporte da cidade. O governo já informou que a tarifa será reajustada para o valor vigente do metrô, no período em que o novo modal começar a operar.


O peixeiro Maurício Souza Menezes, 31, morador do bairro de São João do Cabrito, é outro passageiro que utiliza a linha com frequência e tem a mesma preocupação. “Vai ficar tudo mais caro. Como vai ficar para nós que pegamos o trem para trabalhar na feira de São Joaquim? E nós das comunidades, vamos ficar como? Se não temos dinheiro... Nem trabalho trouxeram para gente trabalhar, o que trouxeram foi gente de fora. Com a retirada da ponte, por exemplo, como vai ficar para mariscar do outro lado?”, questiona.


Gilson Jesus Ferreira, 65, coordenador do movimento Trem de Ferro e defensor da revitalização da linha, critica o que ele chama de arranjo para sigla. “A princípio o modal que o governo optou não é VLT. Este novo modal é uma monovia que usa pneu sobre uma guia de concreto elevado ao solo entre 5 e 12 metros; não existe tecnicamente o veículo leve sobre transporte. O que vem iludindo a população leiga no assunto e até a imprensa costuma reproduzir o equívoco”, afirma.


Sobre a mudança de modais, do VLT para monotrilho elevado, a Sedur (Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia) informou por nota que a intenção do governador Rui Costa é oferecer um transporte de qualidade, rápido e seguro, pois os trens são antigos e já não atendem plenamente a demanda. “Por isso o modal vencedor foi o de monotrilho, que reúne todas as características para melhor servir o Subúrbio, sem ter que seccionar a população lindeira porque a rede é elevada. Além disso, o monotrilho tem uma capacidade maior de transportar passageiros, com o conforto e rapidez que toda a cidade precisa ao se deslocar”, informa a mensagem.


A concessionária Skyrail Bahia, vencedora da licitação de mais de R$ 1,5 bilhão, afirma ter em mãos o alvará que autoriza a obra no primeiro trecho Calçada-Paripe, expedido pela prefeitura de Salvador em setembro.


Segundo informações no site da CTB, na primeira fase do projeto, o sistema será requalificado e ampliado para 19,2 km, com 21 paradas entre os bairros do Comércio e São João, em Simões Filho. Já na segunda fase, haverá a ligação entre a Estação São Joaquim e o Metrô, na Estação Acesso Norte, com 4,08 km e cinco estações. Para Gilson, o projeto altera configurações importantes da região. “Tirar o trem elimina a ferrovia, destrói a identidade do Subúrbio e elimina a possibilidade de religar o porto de Salvador pela ferrovia para o resto do estado e também outros estados brasileiros”, avalia.


Inaugurada em 1860, a ferrovia teve a duplicação das vias concluída só quase 100 anos depois, em 1953. A linha, considerada um patrimônio centenário, é uma marca identitária do Subúrbio Ferroviário de Salvador. A partir dela emergiram as 22 comunidades que formam a região.


Coordenador do Acervo da Laje, um museu artístico no subúrbio Ferroviário, localizado no bairro de São João Cabrito/Plataforma, o psicólogo e pedagogo José Eduardo Ferreira do Santos, 45, reclama da ausência de proposições sociais às comunidades.


“Ficamos com muito medo de não ter devolutivas culturais e artísticas para as comunidades, de equipamentos culturais. Para marcar as casas fizeram pichações. Que intervenção é essa em pleno 2020, com pandemia, e nós não temos ciência do que pode ser?”, observa.


José Eduardo cobra das autoridades mais discussões a respeito do assunto. “Estamos abertos ao diálogo justamente porque para isso tem que haver uma contraposição cultural educativa de formação, de empregabilidade para nossa juventude, para os moradores daqui. Sem diálogo, haverá um impacto muito forte. Será que iremos perder a nossa identidade de Subúrbio Ferroviário?”, argumenta.


Sobre a questão dos diálogos, a concessionária Skyrail informou que ações de comunicação têm se intensificado com a presença da equipe social nas comunidades para esclarecer dúvidas e levar informações sobre o projeto. A empresa afirma ainda que possui outros canais de interação, como o plantão social por e-mail, telefone e WhatsApp, o site oficial e em breve lançará novos canais de atendimento.



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