Falta rapidez para ações simples e concretas, sobra ligeireza e recursos para caçar bicicletas e ciclistas. Por Dado Galvão*
Jequié é uma cidade de mais de 150 mil habitantes, no interior baiano, onde “Jil Bike”, mulher e cicloativista, colocou, em setembro de 2020, placas de papelão em postes para reivindicar políticas públicas para o ciclismo.
Ciclistas fizeram uma vaquinha em janeiro de 2021 e colocaram, na Avenida César Borges, um outdoor exigindo do Executivo e Legislativo local políticas públicas em defesa da bicicleta.
O Executivo Municipal logo respondeu, prometendo (sem dialogar com os ciclistas e coletivos) a construção de 6 km de “ciclovia” na Avenida César Borges, que é bastante utilizada pelos munícipes para práticas esportivas. Doravante, mesmo com a publicação do aviso de licitação no Diário Oficial do município, em maio deste ano, a promessa de “ciclovia” virou promessa de 6 km de “ciclofaixa”, sem nenhum comunicado oficial da Administração Municipal sobre o porquê da assustadora desconformidade alardeada pelo prefeito em suas redes sociais, no Dia Nacional do Ciclismo.
Coloquialmente recomendamos que Vossas Excelências do Executivo Municipal dêem um Google para encontrar as diferenças entre Ciclovia e Ciclofaixa. A recomendação serve também para o Legislativo local, responsável por fiscalizar as ações do Executivo. Causa pasmo e assombro a vista grossa de 19 legisladores(as) e o silêncio de sempre dos muitos grupos locais de ciclismo.
Continuamos sem políticas públicas para o ciclismo, sem ciclovia e ciclofaixa, não temos um bicicletário público central, não existe na cidade sequer uma plaquinha preventiva, educativa e pedagógica pró-ciclismo colocada pelo poder público, não temos legislação local para proteger e fomentar o uso de bicicleta. Na semana municipal do trânsito de 2021, nenhuma alusão aos ciclistas, porém, demagogicamente, o “Dia Municipal do Ciclista”, 12 de outubro, foi incluído pelo legislativo local, no calendário cultural e esportivo municipal.
Na Rua 7 de Setembro, Calçadão de Jequié, rua de comércios e fechada para o trânsito de veículos, foram recentemente espalhadas placas que proíbem o trânsito de bicicletas. Não entraremos no mérito da proibição, porém entendemos que as placas anti-bicicletas colocadas com celeridade revelam ou “descamuflam” o velho preconceito de quem finge não enxergar a bicicleta como um meio de transporte cada vez mais utilizado localmente e globalmente por seres humanos de todos os estratos sociais.
Falta rapidez para ações simples e concretas (como a colocação de plaquinhas pró-ciclismo), sobra ligeireza e recursos para caçar bicicletas e ciclistas, na falta de sensibilidade e ações práticas que valorizem, estimulem e protejam ciclistas e sua dignidade no trânsito. Nem os reflexos pedagógicos da pandemia parecem ser capazes de romper velhas bolhas da omissão, opressão.
Muitas ruas de Jequié estão sendo asfaltadas. A gestão municipal e muitas pessoas celebram isso como progresso, além da colocação de uma nova, “moderna” sinalização de trânsito, que ainda, infelizmente, não contempla/enxerga o ciclista. Cegueira, insensibilidade, falta de diálogo, velhas políticas que nascem nos gabinetes fechados, de cima para baixo, culminância que ignora uma massa cada vez maior de seres humanos usuários de bicicletas.
É sempre bom lembrar que a cidade não é feita somente de asfalto e obras com potencial de marketing. O asfalto só será gerador de progresso se vier acompanhado da promoção do bem comum, valorização da vida humana, saúde pública e educação de qualidade, geração de empregos, cultura, lazer, proteção da Amazônia Local, mobilidade urbana, transporte público de qualidade. Nós somos a cidade, (casa comum) onde nem só de asfalto viverá o homem.
Sabemos que a realidade ciclística de Jequié se repete na maioria das cidades brasileiras do mesmo porte da cidade baiana, e nós, cidadãos(ãs) que andamos de bicicleta ou não, devemos ser coadjuvantes, exercendo cidadania nas mais variadas causas, para cobrar, exigir o câmbio de realidades onde o(a) ciclista parece ser caçado(a), tratado(a) como invisível, quiçá fantasmas que são enxergados(as), lembrados(as) somente em estatísticas de trânsito, propagandas governamentais e em ano pré-eleitoral.
*Ciclista, documentarista, idealizador do Movimento @cicloolhar
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