Esta polêmica tem o mérito de discutir uma obra pública, que faltou na implantação do trem metropolitano e BRT que destruíram árvores frondosas para substituir pelo concreto. Por Paulo Ormindo de Azevedo
Publicado no jornal A Tarde (impresso)
O Comércio e o Centro Histórico são duas áreas decadentes da cidade, cheias de ruínas. Já se gastou rios de dinheiro público e privado sem resultados. Decadência estrutural devida à sua difícil acessibilidade e esvaziamento funcional, com a reforma urbana de ACM (1970), que os sugou com o centro comercial do Iguatemi e o Centro Administrativo da Bahia.
Estes dois problemas podem ser enfrentados se houver planejamento e vontade política. A acessibilidade pode ser melhorada com dois túneis vinculados ao Metrô: C. da Pólvora/Comércio e Lapa/Barroquinha. Seus estudos foram iniciados em 1999, no TFG do Arq. Henrique Oliveira de Azevedo, sob minha orientação. Com uma consultoria à UNESCO/FMLF, em 2019, retomei o estudo visando criar um acesso para o CH e integrar os três níveis da cidade ao Metrô: Comércio com o monotrilho suburbano, a ciclovia de Itapagipe e a hidrovia para Itaparica; os ônibus da B. dos Sapateiros dos bairros populares; e metrô da Cidade Alta. Como ele será um dos seus principais acessos caberá à CCR sua manutenção e segurança.
Em São Paulo a CCR mantém quilométricas galerias subterrâneas de metrô com escadas e esteiras rolantes, ar condicionado, obras de arte e segurança. Por que não pode manter uma galeria de 825m aqui. Com o túnel, usuários do Comércio podem chegar de ônibus até o Campo da Pólvora, ou deixar o carro numa das 3.500 vagas do estacionamento da Fonte Nova, só utilizadas durante jogos e shows, e se deslocar por 825 m em esteiras rolantes até o Comércio. Ninguém faz esta trajetória pelas ladeiras.
Com relação ao esvaziamento funcional, a saída é transformar o CH e o Comércio num distrito de uso misto – habitação, serviços e lazer - removendo as barreiras para o mar como fizeram Londres, Nova York, San Francisco, Baltimore e Manaus, durante a desativação parcial de seus portos. Em Salvador os armazéns das docas demolidos estão sendo substituídos por novas construções e estacionamentos fechados para a BTS.
A recuperação do CH só é viável com programas como Minha Casa, Minha Vida, porque as classes remediadas não admitem morar numa habitação sem garagem, play ground e quartos iluminados por poços. É a classe popular que produz a cultura e a identidade do CH.
Introduzir habitação no Comércio implica transformar edifícios de escritórios vazios em habitacionais e criar infraestrutura de educação, saúde e abastecimento. Uma operação urbana inteiramente viável financeiramente! Finalmente, se questiona a prioridade da obra. Para integrar os três níveis da cidade e os quatro principais modais – metrô, ônibus, monotrilho e hidrovia – esta obra está orçada em R$300 milhões, ou seja, cerca de um terço do BRT de R$820 milhões.
Esta polêmica tem o mérito de discutir uma obra pública, que faltou na implantação do trem metropolitano e BRT que destruíram árvores frondosas para substituir pelo concreto.
SSA: A Tarde, 23/03/2023
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