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Notas sobre a questão do transporte público no Município de Poços de Caldas (MG)

Atualizado: 17 de nov. de 2022

Acima das razões culturais, a decisão pela utilização dos diversos modais, quando tomadas em âmbito individual, tende a ser essencialmente de ordem econômica. Por Lucas Dias

Um dos artigos premiados no I Concurso de Textos promovido pelo ObMob Salvador.


O processo de elaboração do Plano Municipal de Mobilidade Urbana para o Município de Poços de Caldas ainda está em aberto. E, no que concerne ao tema transporte coletivo, as discussões públicas realizadas se prestaram a expor o alinhamento entre a percepção popular e o posicionamento do corpo técnico municipal de carreira, que entendem que o modo como o sistema está estruturado, atualmente, é cronicamente ineficiente. Trata-se de uma ineficiência sistêmica: a forma como foi concebido e até o momento operado diverge das necessidades presentes e projetadas em termos de economia, cobertura e qualidade, na medida em que se tem demonstrado ser cada vez mais insustentável assegurar a prestação do serviço com a adequada cobertura espacial e temporal a um custo compatível com a realidade econômica local.

Há uma série de fatores envolvidos na criação do quadro de desequilíbrio econômico sistêmico que afeta o modal, fatores estes que transitam da escala das mudanças comportamentais na percepção das relações entre público e privado à dos reflexos de políticas macroeconômicas de incentivo a setores produtivos que induzem alterações em padrões de consumo relacionados aos hábitos de transporte. A maioria desses fatores está, por sua natureza, fora do arco de abrangência do escopo regulatório de um plano municipal de mobilidade. Há, no entanto, um fator de ordem local que cabe ser ajustado, a fim de minorar os efeitos da tendência ao decaimento da utilização do transporte coletivo e reafirmar seu caráter de utilidade pública e meio para correção de distorções socioeconômicas: a dinâmica atual de distribuição espacial da população.

A ascendência exercida pela distribuição espacial da população sobre a eficiência dos sistemas de transporte público se dá por seu potencial de induzir, em grande medida, a forma como os custos são compostos e rateados. A título de ilustração, considere-se o seguinte exercício especulativo: dados diferentes cenários urbanos em que sejam adotadas tecnologias e soluções de transporte idênticas (por exemplo, transporte de passageiros por ônibus movidos a motores de combustão interna, etc.), mas variando-se a configuração espacial local, se constatará que há, invariavelmente e em uma relação de causa e efeito, uma tendência ao aumento de custo final para aquelas conformações em que ocorra maior dispersão espacial de população, e vice-versa. Isso porque a variável-chave para sua determinação é o IPK (índice de passageiros por quilômetro), e a lógica da eficiência na sua composição é, de forma breve, a seguinte: tanto é mais eficiente quanto maior for a quantidade de P (passageiros) para cada K (unidade de percurso). Nestes termos, a busca pela eficiência do sistema diz respeito, essencialmente, ao ajuste da relação passageiros/unidade de deslocamento, sempre de modo a aumentar o numerador e rebaixar (ou manter constante) o denominador. Posto de outra forma, trata-se de se carregar o maior número de passageiros por percurso dentro da capacidade de carga da unidade de transporte, de modo a aumentar o rateio dos custos e rebaixar o preço na ponta (isso, apenas, se consideradas como constantes as soluções tecnológicas adotadas e outras medidas inerentes à funcionalidade do sistema que não são interferidas pelo poder regulatório local).

Essa é a questão socialmente mais sensível: o preço na ponta. Acima das razões culturais, a decisão pela utilização dos diversos modais, quando tomadas em âmbito individual, tende a ser essencialmente de ordem econômica. E, ao se observar em retrospecto a realidade local, constata-se que a opção de desenvolvimento urbano historicamente adotada pelo Município de Poços de Caldas vai abertamente de encontro aos preceitos da eficiência da organização territorial, em termos da utilização ótima das infraestruturas instaladas e serviços públicos, aí incluso o transporte coletivo de passageiros. De forma correlata, a organização da economia local, estruturada majoritariamente em torno de setores de baixo potencial de distribuição de renda (predominantemente, prestação de serviços e comércio), impõe a necessidade do achatamento dos custos de transporte como fator tanto de correção de distorções sociais quanto de indução ao desenvolvimento econômico. Isso é particularmente sensível em uma forma de organização territorial em que remanesce uma considerável concentração espacial de serviços e comércio, o que impõe deslocamentos para o acesso a locais de consumo, de emprego, de lazer, etc.

A forma local de desenvolvimento urbano tem se caracterizado pela tendência ao espraiamento da malha e da população[1]. Tal como apontado nos diagnósticos apresentados pela Universidade Federal de Itajubá, bem como naqueles que embasaram o processo de revisão do Plano Diretor, por meio da lei Complementar n. 225/2022, mudanças na dinâmica demográfica local têm levado à redução da lotação média dos domicílios, ao passo que a extensão da área urbanizada, seguindo um padrão de mancha de óleo, têm pressionado a expansão de suas fronteiras enquanto cria vazios demográficos em seu interior, o que implica, invariavelmente, a dispersão da distribuição espacial da população. E é nessa questão que estão os ovos da serpente, a raiz do quadro de ineficiência sistêmica: tensionar em sentido oposto ao ótimo a relação P/K do IPK (a variável-chave do custo), pois, ao passo em que contrai o P (número de passageiros) em uma dada área de cobertura, gera maior demanda por novas linhas para atender a assentamentos de longo prazo de consolidação, cada vez mais afastados, e tendenciosamente menos densos (aumenta K, a unidade de trajeto).

O que se tem, em todo caso, é que o equacionamento da questão do custo de transporte não deve estar focado apenas no modelo de concessão adotado, por mais questionável que este seja. São necessárias também medidas de ajuste territorial, a implementação de políticas de compactação urbana, como a indução de um intervalo de adensamento populacional considerado economicamente mínimo para áreas subutilizadas e ociosas antes de se permitir a expansão das fronteiras da malha urbana.


 

Nota:


[1] A título de comparação, as cidades de Varginha e Pouso Alegre, que possuem população em montante próximo ao de Poços de Caldas, e estão situadas no mesmo contexto regional e econômico, possuem, respectivamente e aproximadamente, 30 mil e 32 mil metros quadrados de mancha urbana consolidada. A mancha de Poços de Caldas possui aproximadamente 50 mil metros quadrados.

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