Há muito a ser feito para a melhoria da infraestrutura cicloviária em Salvador a fim de garantir a segurança e a mobilidade dos ciclistas (ciclomobilidade). Por Erica Telles
"Quem é que sobe a ladeira do Curuzu?" "Essa ladeira, que ladeira é essa? Essa é a ladeira da Preguiça" "E eu vou e eu vou e eu vou Vou subir a ladeira do Pelô" "Se plante, lá vem rasteira, pé de ladeira" "Desta sagrada colina, mansão da misericórdia"
Diz a lenda que Salvador tem uma igreja para cada dia do ano. Eu digo mais, Salvador tem uma ladeira para cada habitante. E todas as ladeiras levam ao bairro de Brotas. E mais, cada vez que alguém imita um baiano falando "meu rei", surge uma nova ladeira em nossa cidade.
Existe um mito que a cidade de Salvador não é uma cidade pedalável por conta do seu clima e das suas ladeiras. Será?! Quando passamos pelo Subúrbio Ferroviário e Península Itapagipana ou subimos em direção à Orla Atlântica, percebemos que a afirmação anterior é um falatório descabido.
Apesar de Salvador ser realmente uma cidade de topografia muito acidentada (não é à toa que é dividida em Cidade Alta e Cidade Baixa), sabemos que o relevo e os fatores climáticos não são os motivos mais representativos que distanciam a população soteropolitana do uso da bicicleta. As pessoas até gostariam de ser usuárias mais frequentes, mas a falta de uma infraestrutura cicloviária maior e melhor, além da falta de segurança no trânsito, fazem com que a meta de pedalar nas ruas de Salvador se torne um objetivo não muito fácil de ser alcançado.
Desde 2013, o poder público municipal começou uma política de investimento na infraestrutura cicloviária, tais como sistema de bicicletas compartilhadas, ciclovias e ciclofaixas. Porém, não demorou muito para que percebêssemos que a implementação desta infraestrutura cicloviária tinha um foco delimitado: regiões da área central e orla atlântica. Diante deste direcionamento da gestão pública, fica fácil entender que a estruturação da política cicloviária soteropolitana está focada em atender ao turismo/lazer da nossa cidade. E a população que utiliza a bicicleta como forma de se deslocar para economizar o valor da tarifa do transporte coletivo, como fica?
No decorrer desses anos até o momento atual, a quantidade de usuários de bicicleta aumentou, seja para deslocamento ou esporte e lazer, pois sabemos que a implementação de ciclovias e ciclofaixas desperta a demanda reprimida existente. É preciso destacar que a malha cicloviária da cidade não é conectada (a famosa ciclovia ligando nada a lugar nenhum), e, em muitos lugares, a implantação foi feita de forma insegura, colocando em risco os próprios ciclistas do local. É o caso da ciclovia na Av. Suburbana, uma das maiores da cidade (12 km de extensão) e situada de forma desconectada com outras infraestruturas cicloviárias daquela região.
São mais de 280 km de ciclovias e ciclofaixas espalhados por Salvador (e a palavra a ser utilizada é essa mesma, espalhados), mais de 40 estações de bicicletas compartilhadas, que facilitam o acesso a quem não possui uma bicicleta própria, bicicletários públicos em algumas estações de metrô da Linha 2. É possível também (embora muita gente não saiba disso) utilizar o sistema de ascensores (Elevador Lacerda, Plano Inclinado Gonçalves, Plano Inclinado do Pilar, Plano Inclinado da Liberdade), lanchinhas da travessia Salvador - Mar Grande e diariamente, mas em alguns horários restritos, embarcar com a bicicleta no metrô sem pagar nada a mais por isso, favorecendo a intermodalidade, que é o uso de mais de um tipo de meio de transporte em um deslocamento.
Há muito a ser feito para a melhoria da infraestrutura cicloviária em Salvador a fim de garantir a segurança e a mobilidade dos ciclistas (ciclomobilidade). A lei garante à/ao ciclista, por exemplo, o direito de usar as pistas para se locomover nos seus bordos. Assim, reafirmamos: é dever do motorista respeitar e compartilhar as vias com os/as usuários de bicicletas.
Diante desse cenário inconsistente desenhado pelo Poder Público, a sociedade civil organizada se mobiliza para acompanhar e cobrar que mais recursos e atenção sejam designados a este modal. Desde 2010, acontecem na cidade movimentos como a Bicicletada Salvador Massa Crítica, que é um pedal manifesto que ocorre na última sexta-feira de cada mês, com o propósito de sensibilizar as pessoas, principalmente motoristas, para o compartilhamento das vias de forma responsável e respeitosa com os/as ciclistas. Outros movimentos surgiram posteriormente, evidenciando a forma pontual e o planejamento escasso e incipiente que o Poder Público dedica à bicicleta em Salvador.
A proposta deste acervo é elencar informações das mais variadas frentes, para montarmos um memorial da bicicleta, tanto em relação às políticas públicas da mobilidade urbana e acesso à cidade, quanto em iniciativas de boas práticas realizadas pela sociedade civil organizada. Acreditamos que essa pode ser uma boa forma de pautar a participação social.
Bicicletada Massa Crítica de Salvador, Mobicidade Salvador, Bike Anjo Salvador, La Frida Bike, Parceiros da Alegria e Giro Livre são coletivos e organizações que surgiram desde 2011 e trouxeram relevância para a pauta da bicicleta como meio de transporte, que era tão invisibilizada pelo Poder Público em nossa cidade.
Topa pedalar com a gente?
Erica Telles Coordenadora do Acervo Mobilidade Ativa - Política Cicloviária
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